Pular para o conteúdo principal

Paixão com sabedoria



O longo período de evolução da humanidade gravou em nossos genes respostas emocionais baseadas em uma duríssima realidade, comparada com os dias atuais. Poucas crianças sobreviviam à infância e os adultos mal chegavam aos trinta anos. Com predadores atacando a qualquer momento, condições climáticas determinando se morreriam de fome ou não, este estado permanente de tensão demandava respostas imediatas e quem sobrevivia passava adiante esta memória através dos genes. De dez mil anos para cá, o domínio da agricultura e as formas de organização social espalharam os avanços e diminuíram as ameaças aos humanos. Minimizada a pressão, reações emocionais perderam a validade. A raiva instantânea no passado era necessária para continuar vivo, mas ser indomável em nossos dias leva a catástrofes.
Paixão é sentimento. Sabedoria é racionalidade. É possível a coexistência? Aristóteles, que em Ética a Nicômano, instiga nossa capacidade de equilibrar razão e emoção ao afirmar que “qualquer um pode zangar-se – isto é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa – não é fácil”.
Cada emoção tem função específica e prepara o corpo para um tipo diferente de resposta. A ciência atribuiu para elas uma divisão clássica, constituída de raiva, medo, felicidade, amor, surpresa, repugnância e tristeza. Mas para nós leigos, é algo que se sente e para descrevê-la precisamos viver o momento e mesmo assim não teria o mesmo sentido quando a verbalizamos. Autoconhecimento é bom, entretanto nos cobra a responsabilidade de identificar e se controlar diante de situações difíceis. Mas se no abalo emocional perturbação as reações são rápidas demais, que esforço demandaríamos para domar o bicho ancestral que há em nós? É muito tempo gravado no cérebro de um, contra a evolução comparativamente incipiente de outro. Submeter-se atiça nossa voz interior com alegações de “olha a hipocrisia, você está se violentando...” Nosso apego à suposta autenticidade, pode ser a obstinação em abrir espaço e coexistir com a razão, o “novo”, de dez mil anos para cá.
Domínio de emoções significa civilidade nas ruas, na vida comunitária. Segundo Paul Ekmann, “a raiva é a mais perigosa delas. Os principais problemas que destroem a sociedade atual envolvem a raiva. É a emoção mais difícil de adaptar-se aos dias atuais, em razão de mobilizar-nos para a luta. Na pré-história, quando se tinha uma raiva instantânea e por um segundo se queria matar alguém, não se possuía tecnologia para fazê-lo. Hoje temos”.
Paixões bem exercidas têm sabedoria, sim. Orientam nosso pensamento, valores e sobrevivência. O problema não é a emocionalidade, mas a adequação da emoção e sua manifestação. Somos capazes de identificar o que não queremos sentir e podemos optar por comportamentos que nos impeçam de levar-nos por determinada emoção e sua expressão em situações parecidas. Não se trata de matar a emoção, mas usá-la sabiamente.
Quando o automóvel não tinha os avanços de hoje, o Jeep bastava e servia para qualquer caminho. Recriou-se o Jeep em versões mais caras, porém adaptadas para a estrada de chão. Mas admitiu-se também carros que são pérolas da tecnologia, perfeitos para boas estradas e sob condições específicas. É possível evoluir, adaptar sem perder a essência. Vale tentar.

Comentários

  1. me perdi no seu texto...quer clarear pra mim? o que é a essência Rackel? a carga genética? a emoção? a razão? na adaptação de pedra para homo sapiens, qual a essência que não se perdeu?

    ResponderExcluir
  2. oiii..não sou anônimo...escrevi o nome mas apareceu como anônimo. Olga

    ResponderExcluir
  3. Olga, essência para mim é o primordial, o que dá gosto e tempera a vida. Essência é a emoção.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Por favor, deixe aqui sua opinião sobre o texto.

Postagens mais visitadas deste blog

Jogo de Palavras

Dizer que foi o receptor da comunicação quem se equivocou é uma atitude cômoda para o emissor, porém arriscada, já que a conversa pode se encerrar por ali. Quando lançamos mão do tradicional “você é que não me entendeu”, estamos transferindo para o outro a responsabilidade pelo equívoco que nós mesmos provocamos. Na prática, a nossa atitude em si é arrogante, pois não admite a possibilidade de erro e ainda por cima se exime das conseqüências, como se fôssemos donos da verdade e só a nossa versão é que contasse. Seria muito mais humilde e receptivo trocar a mensagem por “eu não me fiz entender”. Acalma o interlocutor e de quebra nos dá fôlego para uma segunda chance. Ocorre que na maioria das vezes nos utilizamos dessa tática com a melhor das intenções e com o honesto propósito de esclarecer a idéia que queríamos transmitir. Como a resposta vem de imediato à nossa mente, estamos convictos que esta forma de se expressar é correta e tanto cremos nisso que a reação é automática e não enten

A métrica no poema e como metrificar os versos de um poema.

Texto publicado no site Autores.com.br em 25 de Novembro de 2009 Literatura - Dicas para novos autores Autor: PauloLeandroValoto "Alguns colegas me abordam querendo saber como faço para escrever e metrificar os versos de alguns de meus poemas. Diante desta solicitação de alguns colegas aqui do site, venho explicar qual a técnica em que utilizo para escrever poemas com versos metrificados. Muitos me abordam querendo saber: - Como faço? - Como é isso? - O que é métrica? - Como metrifico os versos de meus poemas? - Quero fazer um tambem. - Me explique como fazer. Vou descrever então de uma forma simples e objetiva a técnica que utilizo para escrever poemas metrificados. Primeiro vamos falar de métrica e depois vamos falar de como metrificar os versos de um poema. - A métrica no poema: Métrica é a medida do verso. Metrificação é o estudo da medida de cada verso. É a contagem das sílabas poéticas e as suas sonoridades onde as vogais, sem acentos tônicos, se unem uma com as outras fo

As greves do ABC paulista no final da década de 1970 e anos iniciais da década de 1980, vistas pelas lentes da fotografia engajada

          Toda imagem tem razão de ser: exprime e comunica sentidos. Carrega valores simbólicos; cumpre função religiosa, política, ideológica; presta-se a usos pedagógicos, litúrgicos e até mágicos.     Cartaz pela anistia que a polícia mandou retirar.  São Paulo, SP - 06/12/1978  Crédito: Ricardo Malta/N Imagem O processo que dá origem à fotografia se desenrola num momento histórico específico, em determinado contexto econômico, social, político, estético, religioso, que se configura no instante do registro. Culto ecumênico em memória de líder de sindicato rural assassinado  em Conceição do Araguaia, Pará. 1980. Foto de Juca Martins.  Copyright: Olhar Imagem   Mulher lavando roupa na favela Malvina. Macapá. Amapá. 1983.   Foto de Joao Roberto Ripper.   Copyright :Olhar imagem   Manifestação do Movimento Contra a Carestia. Praça da Sé. SP. 27.08.1978  Foto de Juca Martins.   Copyright: Olhar Imagem Movimento contra carestia, Praça da Sé, São Paulo. 27/08/1980  Crédito: Ricardo