Ao todo, participamos de quatro edições do Planeta Atlântida(O festival de música que acontece todo fevereiro na praia de Atlântida, litoral norte do Rio Grande do Sul), como acompanhante dos adolescentes da família. Se dependesse deles não iríamos junto. Poderíamos curtir a sonzeira pela MTV, no conforto do lar. Optamos por agüentar firme, sem reclamar da chuva, do calor, do excesso de decibéis; ao que os nossos quase-adultos saltavam com a resposta pronta e a cara mais inocente do mundo: “Não precisa se sacrificar. Basta levar e buscar a gente”. Ou então, “alugamos uma van, que é melhor ainda. Estás indo sem vontade mesmo. Fica em casa que é mais tranqüilo”. Argumento redondo, mas que não nos convenceu. Ainda não era hora de deixá-los sozinhos num festival que dura a noite inteira, mesmo que o evento seja considerado seguro.
Já o evento de 2008 selou o rito de passagem e foi o que nos assustou mais. Dessa vez não tivemos companhia adulta para acompanhar a galera como nos anos anteriores, quando as “velhas” se agrupavam num local pré-combinado – embaixo de uma prosaica plaquinha indicativa de uma das tendas de alimentação, onde se lia: Bar do Surubão – Era o cúmulo do ridículo, mas fazer o quê? Era para ali que eles voltavam para abastecer após os shows e assim sabíamos que estavam bem. De conforto, uma almofada e os pertences deles ao redor. Dessa vez, chegamos cedo, às dezesseis horas e até os primeiros acordes às dezoito horas, tínhamos lido até os classificados dos dois jornais que levamos para passar o tempo. Uma chuvarada revelou que após a leitura, periódicos dobrados sobre uma ilha de brita, são ótimos para sentarmos sem umidade mesmo que os pés apertados nos tênis ficassem no molhado à espera de uma micose qualquer.
São cerca de 80 mil pessoas em média e os palcos alternativos também lotaram. O inesperado foi que quando anunciado o espetáculo da cantora Ivete Sangalo e aos primeiros acordes da banda, levas de jovens enfeitiçados saídos de todos os cantos encheram todos os espaços ao redor do palco central. Qual flautista de Hamelin, a baiana os atraiu com o hipnotismo do seu canto e os outros locais praticamente se esvaziaram. Carismática, ela os seduziu e os fez obedecer em uníssono ao seu comando. Dominou-os até o fim do espetáculo, com a diferença em relação à lenda, que Ivete libertou-os ao final, mesmo que a contragosto deles.
Então, começou a debandada. Desta vez rumo à praça de alimentação, exauridos de tanto pular e com a garganta seca de tanto cantar. O espaço entre a nossa “ilha” e as pessoas foi ficando cada vez menor e não deu outra: pernas para que te quero. Fugimos do ponto de encontro antes que a turba nos pisoteasse. Quem diria que um dia pularíamos uma cerca com a agilidade dos dezoito anos, para o meio do posto da Polícia Militar, uma área reservada. Antes que nos dissessem que ali não podia, já saltávamos outro obstáculo, rumo ao espaço aberto, sem dar tempo para o pânico. Ufa! O resto da noite transcorreu dentro de um nível razoável de normalidade, se é que se pode chamar de normal ficar acordada a noite inteira, à custa de energético com guaraná. Os demais shows foram tranqüilos, até certo ponto, comparados ao do furacão baiano e a turma voltou para suas tocas.
No dia seguinte, ainda ecoava em nossos ouvidos o refrão hipnótico: “Ô maluquete, de quem você é tiete?” cutucava a baiana. E a galera respondia: “Eu sou tiete, sou tiete da Ivete”. E não é que nós também? Em 2009, ninguém foi. Em 2010, mesmo que eles queiram, já não bate mais a vontade de ir ao Planeta. Seja porque já vimos e ouvimos suficiente para aplacar a saudade dos tempos de pop-rock, o ato de não querer ir, não deixa de ser egoísta, já aplacamos o encantamento. Para contemporizar medos remanescentes, lembramo-nos que alguns tem dezoito anos. Corroborando com a idéia de alforria que eles tanto nos argumentaram, legalmente ficamos desobrigados de “vigiar”, podendo passar a bola para que cuidem uns dos outros. E que voem sozinhos e com segurança. Fui!
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