Pular para o conteúdo principal

Desencanto


Para o filósofo argelino Albert Camus, “sem trabalho, toda vida apodrece. Mas sob um trabalho sem alma a vida sufoca e morre”.

Fazer a diferença é bom, satisfaz o ego e dá uma sensação de bem estar enorme, sem contar o sentimento genuíno da tão apregoada sensação do dever cumprido.

Até a gora, só clichê e citação, mas existem sentimentos que nos invadem em certos períodos da vida que são como um soco no estômago: Tem o poder de paralisar-nos, não sem antes fazer-nos sentir dor e ela persistir latente, incomodando-nos no físico e na alma. Um destes sentimentos é o desencanto. Ao contrário do encantamento, que presume enlevo num crescendo que resulta num ápice, o desencanto devolve-nos à realidade, deixando-nos sem vontade para nada. Acontece em situações corriqueiras até, mas quando percebemos, vimos que o monstro foi devidamente alimentado de forma sorrateira. E sem que notássemos, foi tomando conta de nós e de uma hora para outra, parece ter deixado nossa vida órfã de sonhos.

Quem de nós por algum momento não passou a se questionar sobre algum aspecto importante de sua vida? Se um parâmetro até então adotado vale a pena, como num projeto profissional, por exemplo? O que significa ir além, fazer mais, no trabalho? A troco de quê? De mais trabalho. O algo mais, inclusive aquilo que se aprende, faz-nos donos do conhecimento e da tarefa de materializá-lo. Não adianta, gruda em nós , não temos como nos livrar do fardo que passou a ser nosso.

É por isto que a maioria foge como o diabo da cruz, do ouro de tolo da eficiência. Elementar. É porque não está disposta a junto com os prometidos louros ao chegar lá, tenha que incorporar a carga de trabalho agregada. E aí não tem autoajuda que tire a pulga detrás da orelha, dizendo para não entrar nessa que tudo tem um preço.

Desencanto queima por dentro, pois significa a morte de um sonho ou coloca-nos cara a cara com o que passa a ter a alcunha de “real” e a sua afinidade com o concreto. Real é a nossa visão de mundo particular e por isso idealizada. E ela pode ter se concretizado até então pela afinidade da nossa “realidade” com a das pessoas envolvidas no nosso projeto pessoal ou profissional. Ou ainda, porque estas pessoas até aqui compactuaram com um objetivo final a ser alcançado. Em prol dele omitiram as chamadas “verdades desagradáveis”, que não trazem benefícios para ninguém, poupando-nos momentaneamente de visualizarmos facetas de nós que não contribuíam para o propósito almejado.

Quem nos acompanha poupa-nos. Ou por amar-nos ou para tirar empecilhos da sua própria trajetória. São assim, pessoas sábias o suficiente para deixar a nós o direito de descobrir nossa própria realidade, sem qualquer ingerência nos assuntos que pertençam à nossa vida somente.

O desencanto é pessoal e intransferível. E se ele ocorre é porque nossos planos não saíram como combinamos e nossa crença neles, fez-nos esquecer de incluir a reserva para o caso dos nossos planos não se efetivarem plenamente. Não são os outros ou a situação, os culpados. Somos nós que calculamos mal as perdas. Mas há sempre um recomeço. Adiante!


Comentários

  1. Desencantados, penso, ficamos todos a certa altura da vida. É quando todas as ilusões caem por terra e resta apenas a realidade. Mas, como diz a canção, o negócio é levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.

    ResponderExcluir
  2. Um texto maravilhoso, a ilusão está presente em todos os lugares.Beijos

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Por favor, deixe aqui sua opinião sobre o texto.

Postagens mais visitadas deste blog

Jogo de Palavras

Dizer que foi o receptor da comunicação quem se equivocou é uma atitude cômoda para o emissor, porém arriscada, já que a conversa pode se encerrar por ali. Quando lançamos mão do tradicional “você é que não me entendeu”, estamos transferindo para o outro a responsabilidade pelo equívoco que nós mesmos provocamos. Na prática, a nossa atitude em si é arrogante, pois não admite a possibilidade de erro e ainda por cima se exime das conseqüências, como se fôssemos donos da verdade e só a nossa versão é que contasse. Seria muito mais humilde e receptivo trocar a mensagem por “eu não me fiz entender”. Acalma o interlocutor e de quebra nos dá fôlego para uma segunda chance. Ocorre que na maioria das vezes nos utilizamos dessa tática com a melhor das intenções e com o honesto propósito de esclarecer a idéia que queríamos transmitir. Como a resposta vem de imediato à nossa mente, estamos convictos que esta forma de se expressar é correta e tanto cremos nisso que a reação é automática e não enten

A Lei de acesso à informação. Cuba e Angola: Empréstimos com carimbo de "SECRETO"

  Aproveitando o debate que tivemos hoje em aula sobre a abertura ou não dos arquivos dos tempos da repressão, comentamos matéria publicada em 09/04/2013, pela Folha de São Paulo, de autoria do jornalista Rubens Valente, intitulada Brasil coloca sob sigilo apoio financeiro a Cuba e a Angola. A notícia de que o governo federal, através do Ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, classificou como secreta a documentação que trata dos financiamentos do Brasil aos governos de Cuba e Angola surpreende e, poderia passar despercebida de todos nós. Certamente, os meios de comunicação ficaram sabendo disso através do artigo 30, inciso II, da Lei nº 12.527, de 18/11/11, a Lei de Acesso à Informação, que prevê a publicação anual pela entidade máxima de cada órgão responsável do “rol de documentos classificados em cada grau de sigilo. O cidadão comum, que em 2012 festejou a publicação da chamada Lei de Acesso à Informação, pode se indagar:   “Que tipo de documento pode conter

Do lar (Ou profissão em vias de extinção)

Ainda vigora nos contratos comerciais e bancários o uso da expressão “do lar”, para se qualificar a mulher que não trabalha fora. Há mulheres que ao serem indagadas da profissão informam que não trabalham. Por não laborar, entenda-se serviço doméstico. Exatamente. Aquelas tarefas anônimas, executadas diuturnamente pelas mulheres. O apoio logístico delas permite aos homens exercer com liberdade as mais variadas profissões, já que o controle da prole e as múltiplas funções, que o ato de criar filhos implica, estão em boas mãos. Sob o pretexto de educarmos os filhos, acompanharmos o marido, muitas de nós se tornam reféns da família. É claro que o trabalho doméstico pode ser uma opção. Mas não pode em hipótese nenhuma, tornar-se uma obrigação. Entre uma guerra mundial e outra, as mulheres pegaram no batente nas fábricas, nas escolas, nos escritórios e descobriram que podiam desempenhar tão bem quanto os homens as mesmas atividades que eles. Com os maridos na frente de batalha elas acumul