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Jogo de Palavras




Dizer que foi o receptor da comunicação quem se equivocou é uma atitude cômoda para o emissor, porém arriscada, já que a conversa pode se encerrar por ali. Quando lançamos mão do tradicional “você é que não me entendeu”, estamos transferindo para o outro a responsabilidade pelo equívoco que nós mesmos provocamos. Na prática, a nossa atitude em si é arrogante, pois não admite a possibilidade de erro e ainda por cima se exime das conseqüências, como se fôssemos donos da verdade e só a nossa versão é que contasse. Seria muito mais humilde e receptivo trocar a mensagem por “eu não me fiz entender”. Acalma o interlocutor e de quebra nos dá fôlego para uma segunda chance.
Ocorre que na maioria das vezes nos utilizamos dessa tática com a melhor das intenções e com o honesto propósito de esclarecer a idéia que queríamos transmitir. Como a resposta vem de imediato à nossa mente, estamos convictos que esta forma de se expressar é correta e tanto cremos nisso que a reação é automática e não entendemos que possa ser de outra forma. Mas corremos o risco de ir tudo por água abaixo quando cedemos ao impulso de não perder o controle da situação, de nos permitir a continuidade do poder. Às vezes precisamos realmente que o outro entenda, que seja o nosso parceiro naquela idéia, mas inabilmente deixamos a oportunidade escapar das mãos.
Cada ser humano tem um jeito próprio de pensar, de conduzir as situações e principalmente uma maneira peculiar de se “doer”. Se a nossa forma de falar coincide com aquela que o outro também utiliza, o impacto tende a ser menor, porém não deixa de existir a ponta de ressentimento, quando alguém nos insinua transferir a culpa pela dificuldade de entendimento. “Quem és tu que enxergas o cisco no olho alheio não enxerga o tijolo no teu olho?”. Está na Bíblia. Achamos nossas desculpas mesmo que num ataque de parcialidade venhamos a constar que elas servem somente para nós, nunca para os outros.
Em qualquer relação íntima ou não, precisamos preservar a nossa intimidade e a do outro. Quando se trata de um início de conversa, exposição ou relacionamento, todo cuidado é necessário. Ao mesmo tempo em que vamos discorrendo sobre o que queremos transmitir, o outro lado está velozmente fazendo associações que nos é impossível visualizar, já que nem sempre sua expressão traduz o que lhe vai por dentro e o nosso trabalho de se fazer entender vai ser dobrado. Também não vale ficar perguntando a toda hora: “Entendeu?”. Indispõe da mesma forma o interlocutor. “Esta criatura está subestimando minha capacidade de raciocínio”, pensa o outro. O que fazer, então? Algumas pessoas são mais transparentes e ao emissor atento ficar de olho colado na face de quem nos ouve, pode nos ajudar a redirecionar a forma de comunicação para que ela atinja o objetivo que pretendíamos.
Um pouquinho de humildade não faz mal a ninguém e quando a comunicação degringola, o mínimo que se pode fazer é gentilmente transformar o “você não me entendeu”, por “não foi isso que eu queria transmitir. Por favor, deixe-me tentar de novo e clarear os fatos”. Talvez ainda dê tempo de consertar o mal entendido e dar às palavras o entendimento comum ao emissor e ao receptor.

Comentários

  1. Comunicação... comunicação... comunicação...eu aposto tudo nela em nossas interrelações...penso que não há outro jeito. Meu sonho de consumo é, um dia, poder dizer ao outro exatamente aquilo que ele desejar ouvir.

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  2. como transformar uma frase em substantivo em verbo

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