Escrever cartas hoje em dia é um ato totalmente anacrônico. Ninguém escreve estando próximo e a correspondência necessita da distância e da ausência para prosperar. Sendo este o motivo, tampouco se justifica a manutenção dessa forma de se comunicar. Basta uma tela de um celular para romper distâncias e uma tela de computador para visualizar o interlocutor do outro lado do mundo.
Aqueles
poucos que insistem em escrever o fazem por saudosismo e pelo desejo que o
destinatário responda também da forma epistolar. Ou seja, cartas assim, se
tornam uma camisa de força para quem recebe. Algo parecido com duplicatas, que
se recebe e se deve. Pode ser uma alegria receber uma carta, principalmente se
for de um amigo. Contudo, o remorso em não respondê-la fica ali,
perturbando-nos ao longo dos dias como uma dívida inadimplente, mandando a
satisfação da notícia por água abaixo. Se a obrigação é apenas implícita, não
há porque se magoar, já que carta não é jogo de frescobol na praia, toma lá, dá
cá. Mas que fica uma rusguinha, ah, isso fica.
A
linguagem se modificou ameaçando sepultar a língua culta nos diálogos escritos
com o advento do e-mail; dando prosseguimento à primeira pá de cal na
correspondência dada inicialmente com o telefone e seu sentido de urgência.
A
correspondência em si mesma já é uma forma de utopia. Escrever uma carta é enviar
uma mensagem para o futuro; falar a partir do presente com um destinatário que
não se encontra ali, que não se sabe como estará — em que estado de espírito,
com quem — enquanto lhe escrevemos e,
principalmente, depois: ao ler-nos. A
correspondência é a forma utópica da conversa porque anula o presente e faz do
futuro o único lugar possível de diálogo.
Uma
imagem na tela do computador ou o uso do telefone exigem articulação imediata. A
ansiedade que a distância física gera pela impossibilidade de contato; impede a
tradução espontânea dos sentimentos acumulados.
Cartas
não substituem a convivência entre os amigos espalhados cada qual por lugares e
cidades diferentes. Todavia, a palavra escrita tem a peculiaridade de
estabelecer uma relação da presença daqueles que amamos. Na solidão da escrita,
a conversa se faz acompanhar de fatos, locais, cuja descrição vivifica as
palavras e quem recebe imagina o contexto e a emoção que as impregnou. O testemunho de um amigo, um familiar, nos
traz a sua existência inserido nesse lugar ausente e permite a partilha da sua
intimidade, seus sentimentos. Mesmo que sejam cartas esporádicas e seu
conteúdo, trivial, elas são o retrato da vivência em sua forma mais pura,
retratando e compartilhando emoção do momento em que foi escrita, de forma
ímpar, que nenhum outro meio pode captar. Um fragmento da vida da pessoa
através do qual se pode vislumbrar o todo.
REFERÊNCIAS:
RILKE, Rainer
Maria. Cartas a um jovem poeta. Porto Alegre. L&PM, 2006
PIGLIA, Ricardo.
Respiração artificial. São Paulo. Iluminuras, 2006
Muito bom o texto,perfeito.Parabéns.
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