Quem de nós não se lembra do famoso Teorema de Pitágoras? Pois é. Mais conhecido como matemático, Pitágoras, passeava pelas diversas áreas do conhecimento, na ânsia de um entendimento da existência humana e do universo, que fugisse ao olhar mitológico do século 538 a.C. Conta a lenda que ao ouvir um ferreiro, identificou no golpear dos ferros com diversos martelos diferentes, sons harmônicos. Quis descobrir o que distinguia os tons e notou que a diferenciação não dependia da força do golpe, do feitio dos martelos ou dos variados tipos de ferro golpeados. Pesou os martelos e percebeu que o peso de quatro deles estava numa proporção de 12, 9, 8 e 6. Prosseguindo a experiência, fixou um prego na parede, amarrou quatro cordas idênticas em material e comprimento e pendurou na extremidade de cada uma, pesos iguais aos dos martelos do ferreiro. Tocou duas cordas ao mesmo tempo, ora um par, ora outro. O martelo mais pesado tinha o dobro do mais leve e lhe forneceu a oitava mais grave. Os princípios da aritmética e o conceito de média harmônica o fizeram compreender a razão pela qual os outros dois martelos produziam exatamente as demais notas da escala. Bingo! Tinha descoberto o fundamento matemático da música. Daí para frente o mundo conheceria o Pitágoras músico.
A música era vista pelos gregos como uma disciplina moral na educação, um freio nas partes físicas e agressivas da mente. Pitágoras purificava a mente de seus discípulos através da música, usando de melodias adequadas, no intuito de refrear angústias, compaixão, ciúme, traumas. Para ele, a psique humana era uma harmonia de razões que imitava a ordem e o restante do Cosmos. Ao descobrir os intervalos musicais visualizou uma correlação mística entre a aritmética, a geometria, a música e a astronomia. Estudando os planetas e as estrelas, associou-as a números e seus movimentos pareciam dotados de uma inteligência divina. Os corpos celestes movendo-se pelo espaço produziriam sons, a música cósmica ou música das esferas. Girando sem cessar, aconteceriam harmonias sem intervalo silencioso a partir do qual a música das esferas celestes pudesse ser percebida. O homem não seria capaz de ouvir tal música porque se habituara a ela, assim como os ferreiros se acostumaram com o barulho dos seus martelos
Mentes vigorosas, que se atiraram sem hesitação aos recursos disponíveis para revolucionar a consciência humana, floresceram em todos os tempos. Pitágoras, dono de um intelecto poderoso, mas essencialmente místico, usava a razão e o método empírico para justificar seus estudos, preenchendo lacunas que permitiriam o desenvolvimento da ciência e da filosofia grega. Assim como na matemática, na música, nossa compreensão das ciências em geral não nasceu de um dia para o outro; remonta a um passado longínquo, cujos fragmentos parecem ilógicos aos nossos olhos modernos, mas trazem pilares do conhecimento ainda vigentes, aperfeiçoados por gerações de pensadores.
O turbilhão de informações da atualidade nos leva a pensar que nada há para ser descoberto. A física explica como ondas sonoras se propagam, suas freqüências e amplitudes, mas a maneira como afetam o nosso inconsciente é única e isto é pacífico em nossos dias. A música das esferas é uma bobagem? Se não se sabe que algo existe, é preciso saber o que estamos procurando. Para Pitágoras, música era o reflexo de uma atividade espiritual interior usada para criar estados alterados de consciência, cujo modelo se repetia no Universo. Talvez exista apenas um véu mais ou menos espesso cobrindo certas verdades aceitas pela maioria e isto nos basta para justificar o comodismo e que nada mais há para ser pensado.
Paradigmas existem para serem quebrados. A harmonia do viver, paradoxalmente complexa e simplificada, exige de nós a aparente simplicidade da percepção e o rigor da disciplina para alcançar o estado mental necessário à abertura dos sentidos. Somos responsáveis por legar conhecimento às gerações futuras. A busca precisa existir sempre em nós, enquanto seres em construção, pois lembrando aqui Demócrito, filósofo grego do século V a.C: “Nem a arte, nem a sabedoria é algo acessível, se não há aprendizado”
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