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Tanto Faz Seis, Como Meia Dúzia?



Cada vez que a ciência avança numa área que antes era reduto da Filosofia, os filósofos tremem na base. Para quem acha que filosofia é só análise conceitual, que não precisa se meter naquilo que a ciência explica, convém dar uma espiada nas reviravoltas da evolução tecnológica e sua ingerência no campo do pensar.

Temas que antes eram redutos da filosofia, hoje se mudaram de mala e cuia para o âmbito da ciência propriamente dita. Fazer o quê. A natureza do vácuo, por exemplo, até a época de Descartes era questão filosófica. Depois da Teoria da Relatividade, o vazio bandeou-se para o lado da Física. Ok. Nem tudo passou totalmente para o âmbito da ciência. É o caso do tempo, que ficou ali, no meio termo. Um pé na física e outro na filosofia.

E o que dizer do projeto Blue Brain, que pretende simular em computador todo o nosso cérebro? Se os programadores da Escola Politécnica da Suiça – onde o projeto existe desde 2005 - conseguirem tal feito, discussões hoje filosóficas acerca do cérebro serão baseadas na experiência. Numa conferência de tecnologia em Oxford em 2009, o diretor do projeto, Henry Markram afirmou que é possível construir um cérebro humano funcional em dez anos. Simulações no modelo já apontam aos cientistas como o cérebro funciona. É possível, por exemplo, mostrar imagens ao “cérebro” e analisar como a máquina se comporta. “Estimulando o sistema, ele cria sua própria representação”, afirma o cientista. O maior objetivo dos experimentos é extrair uma representação do que o cérebro artificial vê, para entender como ele percebe o mundo. Além da intenção de construir um cérebro, o Projeto Blue Brain também quer fazer um banco de dados dos cérebros dos animais — uma espécie de Arca de Noé — para construir modelos de animais. “Não podemos continuar fazendo experimentos em animais para sempre”, afirmou Markram.

Para a filosofia, nosso intelecto é uma obra de arte impossível de ser replicada. A inteligência artificial incomoda, pois os artefatos que produz além de seguir uma programação, executar a tarefa, têm a pretensão de trocar figurinhas com o meio ambiente, aprender – e pasmem – desenvolver comportamentos novos.

A maneira de filosofar denominada Filosofia da Mente já existe desde 1949. Aborda desde questões como a natureza da mente, pensamento, consciência, até a relação mente-cérebro, dentre outras, investigando os fenômenos mentais numa dobradinha impura com a ciência, já que essa última se utiliza de métodos empíricos.

Admitir a possibilidade de que em breve estaremos trocando partes do cérebro humano por neurônios de silício, como imagina John Rogers Searles, professor americano da Universidade de Berkeley é no mínimo inquietante. Mas se a substituição for completa, ainda haverá a questão de saber se o cérebro humano replicado será consciente ou não. Um punhado de bits sendo processados por uma máquina que age como um cérebro poderá adquirir consciência? Se por volta de 2020, isso realmente acontecer, como estima Henry Markram, como se certificar se o cérebro de silício sente algo ou não?

Alan Turing, considerado o pai da inteligência artificial, criou um teste para saber se uma máquina pensa ou não. Quando um comportamento é imitado e não sabemos distinguir se foi feito por uma máquina ou por um ser humano, diz-se que a máquina passou no teste de Turing. O professor Searle não acredita que o Blue Rain tenha alguma sensação subjetiva e ilustra isso com a frase “Simulação é simulação e realidade é realidade. Ninguém fica de pés molhados por simular uma tempestade em computador”. A extrema complexidade do cérebro se encarregará de proporcionar barreiras técnicas intransponíveis, sustenta João de Fernandes Teixeira, professor da Universidade São Carlos, pesquisador de Filosofia da Mente e Inteligência Artificial do CNPQ. Consideramos que alguém é consciente quando ele faz aquilo que os outros humanos fazem para se colocar no reino das criaturas conscientes, diz o Prof. Teixeira. Porém, se houver o desenvolvimento de desenvolvimento de uma mente artificial e ela se tornar consciente, teremos a prova que a subjetividade – a crença de não se admitir outra realidade senão a do sujeito pensante – e a consciência propriamente dita, são formas quantitativas de complexidade, que o aumento do poder computacional das máquinas será capaz de simular.

A inquietação para a Filosofia permanece: Supor que da junção de pequenas peças possa surgir algo dotado de uma mente significa aceitar que o mental e o físico podem ser identificados ou reduzidos um ao outro. Tanto faz um, como o outro. Tanto faz seis, como meia dúzia. E aí? Quem se habilita a desatar esse nó?



Fontes:

Blog Cognição, Linguagem e Música

http://bluebrain.epfl.ch/

http://hypescience.com/19393-cerebro-artificial/

http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/

http://www.filosofiadamente.org/

Revista Filosofia Ciência e Vida Ano II – nr. 21-Matéria: “O Cérebro Artificial” – pag. 54-55.

Comentários

  1. A Filosofia queria-se mãe de todas as ciências. Quando foi relegada a mera filha, por vezes ilegítima, afundou-se em impropriedades. Contudo, penso que o seu campo continua inatacável, desde que não se considere como ciência mas como a própria vida. Diferentemente do Cazuza, digo que todos precisamos de uma filosofia pra viver.

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  2. Obrigada Paulo, por pontuar de maneira brilhante esse assunto. Valeu!

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