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Reflexões sobre cérebro e consciência. Parte II




A consciência é uma qualidade da mente. Abrange outras designações, tais como subjetividade, autoconsciência, sapiência, e a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente. É objeto de pesquisa no âmbito da ciência cognitiva e suas especialidades, médicas ou não, que vão desde a neurologia, a psicologia, a antropologia, passando pela filosofia da mente, além da inteligência artificial. Descobrir se estados mentais são estados cerebrais é dúvida antiga. O divisor de águas é o pensamento do filósofo e médico, Renè Descartes ao afirmar que estados mentais e estados cerebrais não são a mesma coisa. Ao defender a existência de um centro cerebral da consciência na glândula pineal e que, através dela, a alma se comunicaria com o soma (corpo), Descartes respondeu de forma original para o século XVII, à pergunta que sempre inquietou os humanos: — Quem somos nós?

Três séculos depois, o filósofo da mente, Daniel Dennett contesta a validade da teoria de Descartes. Para Dennett, nosso cérebro pode ser comparado a uma espécie de computador e a consciência – enquanto uma propriedade funcional – a certo tipo de software, uma “máquina virtual” em nosso cérebro. A consciência é, portanto, um fenômeno de terceira pessoa e, por isso mesmo, passível de ser analisado cientificamente. Sua teoria, de caráter reducionista, busca definir e explicar os estados e processos mentais conscientes em termos de atividade funcional específica (não necessariamente exercida pelo cérebro enquanto um órgão biológico). Ou seja, a capacidade de um sistema de receber estímulos ambientais, processar um conjunto de informações e exercer uma resposta comportamental para qual seja requerida algum nível de inteligência.
 
A Dennet se contrapõe o também filósofo John Searle, ao afirmar que os estados de consciência só podem ser revelados do ponto de vista da primeira pessoa. Por ter acesso privilegiado às suas experiências sensoriais, pensamentos, o indivíduo jamais poderia estar errado quanto ao estado de consciência em que se encontra em determinado momento. Conforme Searle, no que se refere à consciência, aparência é igual à realidade e nada que ocorre dentro de um cérebro dá indícios do tipo de pensamento que está ocorrendo. A experiência consciente é intrinsecamente subjetiva e quanto esse aspecto, irredutível a qualquer explicação de caráter científico, cuja formulação se vale do ponto de vista da terceira pessoa. O ato de examinar um eletroencefalograma ou uma neuroimagem, por exemplo, não permite que esse alguém de fora descreva o que acontece dentro do cérebro observado. Um computador recebe uma informação, processa e a devolve, sem em nenhum momento "entender" nada do que está acontecendo. Mudar o programa significa apenas alterar as regras, já que o entendimento continuaria nulo, e a inteligência artificial, impossível. De acordo com Searle, falta à inteligência artificial a intencionalidade intrínseca, elemento essencial à consciência. Ao conferir primazia às qualidades subjetivas da experiência consciente, Searle exclui a possibilidade do erro.
Ao contestar Searle, Dennett e afirma a necessidade de se distinguir aparência e realidade. O ser humano provou ser capaz de aprender com a experiência. Não fazer tal distinção significa estar certo sempre e não aprender com o feed-back negativo, algo que tornaria a própria evolução da vida e da inteligência impossíveis.

Não há, até o momento, nenhuma explicação, plenamente satisfatória, para o mecanismo de formação da consciência. O modelo do computador pode explicar a memória, mas não esclarece a questão da consciência. A máquina, não cria nem sente, tampouco preenche os requisitos necessários para explicar a característica unitária da consciência, a qual se expressa pela fusão, durante um período variável de tempo, de todas as nossas percepções, pensamentos e emoções. Sem essa unidade, a pessoa não experimenta, à medida que "vivencia" as múltiplas experiências do dia a dia, a sensação de individualidade, de ser um ser uno e indivisível.

A consciência representa nossa individualidade e subjetividade. É essa última que confere ao ser humano a possibilidade de refletir, conhecer-se, viver em sociedade e receber dela informações sobre si, além de permitir ao ser humano a capacidade de agir.

 

Referências:


Revista Filosofia Ciência e Vida Nº 9, 2007. Artigo do filósofo da USP, Dr. João F. Teixeira.

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