Pular para o conteúdo principal

Um lugar para conhecer antes de morrer


Um frio de 10 graus positivos nos recebeu em Bogotá. Para Marluce e eu, oriundas do calor amazônico, o ventinho acolhedor era de gelar os ossos. Ceci, nossa anfitriã, era dona do El Goce Pagano, uma casa noturna de música caribenha. Um mojito preparado por ela pôs fim à tremedeira e nos deu as boas vindas.


A época da viagem era explosiva. Literalmente. Os guerrilheiros do M-19 haviam invadido e incendiado o Palácio da Justiça. No episódio, morreram quase todos os integrantes da Suprema Corte de Justiça do País. No dia anterior à nossa chegada havia explodido o vulcão de Armero, há pouco mais de cem quilômetros da capital. O medo não impediu que perambulássemos pela cidade e conhecêssemos as choperias, usufruíssemos dos belíssimos concertos na Universidad Nacional, da mostra de cinema cubano em pleno isolamento, inclusive cultural da ilha de Fidel. Por toda parte, capacetes sobre os telhados indicavam a presença de franco-atiradores e a Ceci não largava do nosso pé.

A delicada situação impediu que visitássemos o outro destino da nossa viagem: Cartagena. A Colômbia que eu amo não tem cartéis. Tem salsa, tem gente como a Ceci. Nos traços ríspidos da minha amiga colombiana sobressaem-se os olhos. É como se ela emergisse do universo mágico de Gabriel Garcia Marques e enxergássemos dois poços de um verde infindo, como as esmeraldas de lá. Olhos ancestrais, intermináveis. Sós. Tem também o que restou do Museo Del Oro. E olha que sobrou bastante. Imaginemos o que os espanhóis carregaram para o continente europeu? Tem as rosas mais bonitas que eu já vi e a magnífica Catedral de Sal de Zipaquirá, subterrânea, esculpida numa mina desativada de sal mineral. São tantas belezas que guardo na retina, difícil de enumerá-las todas, sem fazer injustiça àquela que porventura ficasse de fora. Mas tem uma que não dá para esquecer: A minha sonhada Cartagena das Índias, com seu mar e seus fortes, protegendo-a dos piratas de outrora, que povoam a minha imaginação e impulsionam o desejo de estar lá. Já se decorreram mais de vinte anos. O sonho permanece e me enche de saudade. Da aventura, da irresponsabilidade em não desmarcar uma viagem mesmo sabendo dos acontecimentos. Dos ímpetos peculiares a quem tem vinte e poucos anos e da atmosfera mágica que parecia cercar aquilo tudo. Talvez os olhos de hoje não sintam a mesma magia, mas Cartagena das Índias ainda é um lugar que eu quero conhecer antes de morrer.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Jogo de Palavras

Dizer que foi o receptor da comunicação quem se equivocou é uma atitude cômoda para o emissor, porém arriscada, já que a conversa pode se encerrar por ali. Quando lançamos mão do tradicional “você é que não me entendeu”, estamos transferindo para o outro a responsabilidade pelo equívoco que nós mesmos provocamos. Na prática, a nossa atitude em si é arrogante, pois não admite a possibilidade de erro e ainda por cima se exime das conseqüências, como se fôssemos donos da verdade e só a nossa versão é que contasse. Seria muito mais humilde e receptivo trocar a mensagem por “eu não me fiz entender”. Acalma o interlocutor e de quebra nos dá fôlego para uma segunda chance. Ocorre que na maioria das vezes nos utilizamos dessa tática com a melhor das intenções e com o honesto propósito de esclarecer a idéia que queríamos transmitir. Como a resposta vem de imediato à nossa mente, estamos convictos que esta forma de se expressar é correta e tanto cremos nisso que a reação é automática e não enten...

A Lei de acesso à informação. Cuba e Angola: Empréstimos com carimbo de "SECRETO"

  Aproveitando o debate que tivemos hoje em aula sobre a abertura ou não dos arquivos dos tempos da repressão, comentamos matéria publicada em 09/04/2013, pela Folha de São Paulo, de autoria do jornalista Rubens Valente, intitulada Brasil coloca sob sigilo apoio financeiro a Cuba e a Angola. A notícia de que o governo federal, através do Ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, classificou como secreta a documentação que trata dos financiamentos do Brasil aos governos de Cuba e Angola surpreende e, poderia passar despercebida de todos nós. Certamente, os meios de comunicação ficaram sabendo disso através do artigo 30, inciso II, da Lei nº 12.527, de 18/11/11, a Lei de Acesso à Informação, que prevê a publicação anual pela entidade máxima de cada órgão responsável do “rol de documentos classificados em cada grau de sigilo. O cidadão comum, que em 2012 festejou a publicação da chamada Lei de Acesso à Informação, pode se indagar:   “Que tipo de documento pod...

Do lar (Ou profissão em vias de extinção)

Ainda vigora nos contratos comerciais e bancários o uso da expressão “do lar”, para se qualificar a mulher que não trabalha fora. Há mulheres que ao serem indagadas da profissão informam que não trabalham. Por não laborar, entenda-se serviço doméstico. Exatamente. Aquelas tarefas anônimas, executadas diuturnamente pelas mulheres. O apoio logístico delas permite aos homens exercer com liberdade as mais variadas profissões, já que o controle da prole e as múltiplas funções, que o ato de criar filhos implica, estão em boas mãos. Sob o pretexto de educarmos os filhos, acompanharmos o marido, muitas de nós se tornam reféns da família. É claro que o trabalho doméstico pode ser uma opção. Mas não pode em hipótese nenhuma, tornar-se uma obrigação. Entre uma guerra mundial e outra, as mulheres pegaram no batente nas fábricas, nas escolas, nos escritórios e descobriram que podiam desempenhar tão bem quanto os homens as mesmas atividades que eles. Com os maridos na frente de batalha elas acumul...