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Shirin Ebadi: O Clamor por Mudanças no Irã. Uma Voz em Defesa dos Direitos Humanos.


            A advogada iraniana Shirin Ebadi foi responsável pela palestra da noite de 13 de junho, do ciclo de conferências “Fronteiras do Pensamento” realizado no salão de Atos da UFRGS em Porto Alegre.
            O evento, cujo objetivo é estimular o debate sobre a identidade da época em que vivemos, teve sua estréia em 23 de maio, passado, com a presença do crítico literário americano e teórico marxista Frederic Jameson, com o tema A Estética da Singularidade.
            Prêmio Nobel da Paz em 2003, por sua atuação na defesa dos direitos humanos no Irã, Shirin Ebadi, a segunda conferencista do ciclo Fronteiras do Pensamento, usou o idioma farsi para expressar-se durante a conferência, dividida em duas partes, a segunda dedicada a responder às perguntas da platéia.
            Durante a explanação inicial, Shirin, que quer dizer “doce” em persa, manteve a fala tranqüila, inclusive ao citar os exemplos concretos de discriminação, ou na descrição das penas capitais previstas na lei iraniana. Primeira mulher a ser nomeada juíza e a presidir um tribunal no Irã, Shirin foi transferida para trabalhos administrativos, com o advento da Revolução Islâmica de 1979, capitaneada pelo aiatolá Khomeini. A presença das mulheres na magistratura era considerada antiislâmica. Ante o seu protesto e o de outras juízas, passou à condição de especialista do Ministério da Justiça iraniano, obteve posteriormente, licença para advogar.
            Foi na condição de advogada dos opositores do regime, que Shirin granjeou a perseguição do regime islâmico dos aiatolás. O fato de ser mulher não foi o único motivo. A amplitude da sua luta está calcada em mudanças estruturais no Irã. Clama por mudança nas leis do divórcio e de herança, direitos das crianças, das mulheres, dos refugiados, dos presos políticos e de consciência. Mudança na severidade das penas. Mudança por uma interpretação mais livre do Islã.       Questões essas, todas defendidas e pautadas por calma e moderação, aparentemente incoerentes por assuntos tão contundentes.
Mudança. Esse é o maior “pecado” de Shirin, que o regime iraniano não suporta vê-la clamar.
            A seguir, o conteúdo da palestra e das respostas da conferencista às perguntas da platéia, limitando-se, na medida do possível ao relatado pela tradução simultânea.

Direitos Humanos no Oriente Médio
            Shirin iniciou a palestra dizendo-se sentir em casa na casa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi professora na Universidade de Teerã. Ganhou do reitor da UFRGS um botton com o símbolo da Universidade e o usou para demonstrar a familiaridade que sente no local, uma universidade.
            Shirin contextualizou a situação dos direitos humanos no Irã, antes da revolução islâmica. O Xá, Reza Pahlevi era um ditador a serviço dos americanos, o povo não gostava e se revoltou. Com a sua queda em 1979, veio a república islâmica e a queda do Xá. Não bastou ao povo sair um déspota, precisava entrar a democracia. Tanto o ditador americano quanto o islâmico, são ruins. Cita exemplos de violação dos direitos humanos, perseguição das vozes moderadas que pleitearam mudança durante a revolução.

Leis do Irã

Discriminação baseada no gênero.
_ De 1979 em diante, a mulher vale a metade de um homem. Se uma mulher e o seu irmão forem feridos, assaltados, a indenização do irmão é duas vezes a dela;
_O testemunho de duas mulheres no tribunal equivale ao de um homem;
_Pela lei da família, um homem pode ter até quatro mulheres, sem nenhuma justificativa;
_O homem pode divorciar-se se quiser. Já para a mulher o processo de divórcio é bem mais complicado, quase inatingível;

Discriminação por religião
            A religião oficial do Irã é a muçulmana Xiita. Outras seitas islâmicas, judaísmo, zoroastrismo, cristianismo, judaísmo, também são reconhecidas formalmente. Fora desse grupo de religiões há outras que não são reconhecidas e não tem nenhum direito. Isso se estende aos ateus e aos socialistas.
            Um exemplo de grupo sem direitos é a fé Baha`i. Trata-se de uma religião persa, que existe há duzentos anos no Irã e está espalhada por todo o mundo. Seus membros, não podem ser contratados para emprego público, nem ingressar nas faculdades. Os baha`is do Irã criaram uma universidade clandestina, que o governo descobriu, fechou e prendeu os professores. Sequer em casa, os Baha`i podem estudar.
           A discriminação baseada na religião é ampla. Mesmo as religiões reconhecidas oficialmente são objeto de tratamento diferenciado.
            Pela lei iraniana, quem comete o mesmo crime, a condição de muçulmano ou não-muçulmano determina tipo diferente de punição.
            Se um casal solteiro mantém relações sexuais, o que é proibido pela lei islâmica, a pena é de cem chibatadas para ambos. Porém, se a mulher é muçulmana e o homem não-muçulmano, para este último, a pena é a execução. A mesma ação, para o homem muçulmano, cem chibatadas, para a mulher não-muçulmana, execução.
            A religião determina o procedimento a ser adotado nas heranças. Nas leis civis, se entre os herdeiros de um não-muçulmano houver um muçulmano, este ganha tudo e os demais ficam sem nada. Logo, os herdeiros de um iraniano cristão, se forem todos não-muçulmanos, dividem entre si a herança. Porém, se um dos parentes desse falecido se converteu ao Islã, todo o espólio é destinado ao indivíduo convertido ao Islã e os demais herdeiros, mesmo filhos ou parentes mais próximos, nada recebem.

Liberdade de Expressão

            Publicar um livro no Irã é muito difícil. Necessita de autorização prévia do governo, que a nega na maioria das vezes.
            Criticar a constituição na mídia é proibido. Se o fizer, a instituição é fechada;
            Há censura sistemática a jornais e sites da Internet. Conforme a organização Repórter sem Fronteiras, o Irã é hoje o país com o maior número de jornalistas presos.
            Shirin cita o exemplo de Reza Rhoda Saber, jornalista iraniano, preso há anos, que entrou em greve de fome e veio a falecer em 12/06/2011 sem que o governo se importasse ou sequer mencionasse. Somente por intermédio do relato de outros presos políticos é que se soube no Ocidente da perda de um dos melhores jornalistas do Irã, no seu entender.
           Artistas, cineastas também são censurados e presos. Um deles é Jafar Parnahi, cineasta, jurado de Cannes. Preso pelo regime pagou fiança e foi solto, graças a protestos internacionais. No tribunal, defendeu a liberdade de filmar. Foi condenado a cinco anos de prisão e proibido de filmar por vinte anos.

Tipos de penas aplicadas no Irã
            Apedrejamento, crucifixão, decepamento de mão, chibatadas.
            No caso de Sakineh Ashtiani, acusada de relação sexual indevida com homem, objeto de protestos internacionais, a República Islâmica não cumpriu a sentença. Há outras cinco mulheres anônimas na prisão aguardando a execução por apedrejamento.
            Depois da China, o Irã é o país que mais executa no mundo. Em 2010, 300 pessoas foram executadas.
            O Irã é o país com o maior número de execuções de menores de dezoito anos.     Quando um menor comete um crime, a lei pune e castiga com a mesma rigidez que se fosse cometido por alguém de quarenta anos. A execução, assim, no Irã, é freqüente. Há dois meses, três jovens criminosos de dezesseis anos de idade foram executados no Irã, acusados de assalto a mão armada.

Críticas à República Iraniana
            Sempre que a República Iraniana fica sujeita a críticas internacionais, por questões dos direitos humanos, o governo do Irã argumenta que se trata de assunto interno, só dizendo respeito ao Irã, sendo que nenhuma pessoa ou país tenha o direito de interferir.
            Shirin discorda ao afirmar que o assunto é internacional, sim. Qualquer violação dos direitos humanos em qualquer parte do mundo, diz respeito a todas as pessoas. É uma questão de humanidade. Se o Irã protesta por violação dos direitos humanos na Palestina ou no Iraque, outros países podem fazer o mesmo em relação ao Irã sem que se caracterize ingerência nos assuntos internos, entende Shirin.
            Quando o governo iraniano alega que Israel mata os palestinos; que os EUA violam os direitos humanos, a conferencista compartilha da opinião que a violação dos direitos humanos ocorre também nos EUA e na Europa. Guantánamo e a invasão do Iraque são motivo de vergonha. A morte sistemática de civis na guerra iraquiana, também. Israel viola os direitos humanos dos palestinos, Igualmente não se esquece da matança dos estudantes na China.
            Shirin entende que a violação dos direitos humanos em um país não justifica a violação em outro. Se os EUA infringem os direitos humanos em Guantánamo, não serve como justificativa para que o Irã sinta-se autorizado a prender jornalistas no país.
            Se Israel matou muçulmanos em Gaza, não serve de motivo para o Irã apedrejar as mulheres. O raciocínio do Irã que a violação dos direitos humanos é política não é verdadeiro, afirma.

Contra a severidade das penas

            A ativista ressalta a severidade das penas. A privação da liberdade no Irã é tanta que até os advogados de defesa são presos pelos tribunais. Atualmente há 12 advogados presos. Uma delas, Nasrin Soutudeh, colega de Shirin, está presa há nove meses, condenada por defender os opositores do presidente Mahmoud  Ahmadinejad em 2009. Foi condenada a nove anos de prisão. Um país democrático não prende um advogado de defesa por defender alguém no tribunal, conclui.

Pressões por mudança das leis. O povo iraniano protesta de forma pacífica.

            A conferencista diverge da opinião do governo do Irã sobre as sharia; que elas existem em decorrência do Islã e não se pode mudar isso. Tais leis derivam de interpretação errada do Islã. Há outros países islâmicos que não tem tais punições. Só  Irã e Arábia Saudita as adotam. Sendo assim, os demais países islâmicos estão errados? Indaga Shirin.
            Mesmo entre o clero, houve quem defendesse a mudança das leis, sem que o governo considerasse a opinião dessas autoridades religiosas. O aiatolá Montazeri, falecido em 2009, compartilhava com o povo ao afirmar que o governo não era islâmico; cometia tirania em nome do Islã.
            Problemas existem, mas a vontade de democracia no Irã tem o apoio da população, que tem protestado pacificamente, sem armas, só com a fala e a escrita. Dia a dia os oponentes crescem em número. O governo iraniano perdeu sua base junto ao povo.
            Até entre os fundamentalistas há conflitos. O parlamento registrou queixas de envolvimento do governo em corrupção, desvio de dinheiro. Quem foi às ruas clamar por isso, foi preso ou morto. Agora é o parlamento que fala. Os ativistas torturados por denunciar o mesmo problema em 2009 continuam presos. 

Direitos Humanos - Direitos da Pessoa - Universais
            Shirin afirma defender os direitos das pessoas; não pertencer a nenhum partido. Ela questiona as prisões, morte de menores, estudantes presos, discriminações de qualquer ordem. Acima de tudo, a ex-juíza, advogada, exilada, reafirma sua fé na busca da democracia no Irã e que esse dia não está longe, finalizou.

Na segunda parte da palestra, a ativista iraniana respondeu às seguintes perguntas da platéia:

1)A senhora não foi recebida pela Presidente Dilma. Se o encontro tivesse acontecido,  o que diria a ela? A mudança para a democracia no Irã será pacífica?

Shirin: Eu vim ao Brasil trazer a mensagem de amizade, transmiti-la à Presidente Dilma. O Brasil apoiava o Irã, Lula visitou o Irã e abraçou Ahmadinejad. O povo do Irã respeita o ex-presidente Lula. O governo brasileiro não sabia o que acontecia no Irã. Eu, e alguns iranianos residentes no Brasil, resolvemos esclarecer a real situação do Irã.
            Em 2010, na ONU, o Brasil votou a favor do povo do Irã. A população está feliz com isso. Vim ao Brasil para me encontrar com a Dilma, trazer a mensagem do povo iraniano para ela. Não houve o encontro. Porém, estou muito feliz com a presença da Ministra dos Direitos Humanos do Brasil, Maria do Rosário neste evento. Peço a ela que transmita a minha mensagem à Presidente Dilma.

Shirin: Há insatisfação entre os iranianos com a situação econômica ruim das pessoas, com o aumento da pobreza. Conforme a ONU, o crescimento econômico do Irã em 2010 foi zero. Pior que o Afeganistão e o Iraque, que enfrentam uma guerra. Em 2010, a inflação foi de 22% a.a. O povo do Irã não vai usar a violência para buscar a democracia. Isto é bom. Se cometerem violência, vão dar mais motivo para a violência do governo.

2) Quais são os direitos dos homossexuais no Irã? Qual a opinião da senhora sobre a existência de programa nucelar do Irã para fins bélicos?

Shirin: O homossexualismo no Irã é crime. A pena é a execução. Muitos já foram executados pela acusação de homossexualismo.
Shirin: Quanto à questão nuclear, o governo do Irã alega que o uso é pacífico; eu não sei se isso é verdade ou não. Mesmo que seja para uso pacífico, não creio que a energia nuclear seja saudável, que não traga impactos ao meio ambiente. Sou contra a energia nuclear. Exemplos não faltam.
            A Alemanha pretende fechar a totalidade das suas plantas nucleares até 2020. O acidente de Fukushima, no Japão, alertou a todos nós para o perigo a que o meio ambiente está sujeito com a instalação de usinas nucleares. O Irã está situado sobre uma falha geológica.
           O acidente em Fukushima pode se repetir no meu país. O Irã tem muito petróleo; possui a segunda maior reserva gás natural do mundo. É um país com sol em abundância, pode criar plantas energéticas baseadas em outras fontes de energia que não seja a energia nuclear.

3)Porque os juízes iranianos aplicam penas tão severas? Existe o anseio no Irã por um Estado Laico?
Shirin: Os tribunais no Irã perderam a sua independência. Os juízes guiam-se pelos agentes de segurança. Um dos maiores problemas é que esses juízes confirmam essas sentenças tão pesadas.

Shirin: São trinta e dois anos de uma ditadura religiosa. O povo é muçulmano, mas quer um estado laico, uma religião separada do governo; querem a democracia. Certa vez, numa sala de aula na Universidade, os estudantes reclamavam da falta de liberdade. Procurei acalmá-los, concordando que podia ser pouca, mas que ainda assim, tínhamos liberdade no nosso país. Ao que um aluno retrucou: _ No Irã não tenho liberdade nem de ir para o inferno, se eu quiser.

4))Quais os países onde o governo islâmico pode ser democrático? O único país democrata do Oriente Médio é Israel? A ocidentalização não fará com que o Irã perca a sua identidade?

Shirin: Indonésia e Malásia são exemplos de democracia melhor que a Síria e o Irã. É possível construir uma democracia no Irã. Todavia, as revoluções nos países islâmicos não podem tirar um ditador para colocar outro.
Shirin: Não acredito que em Israel haja liberdade de expressão. Os palestinos que vivem em território israelense não podem falar o que querem.

Shirin: A ocidentalização, o que é isso? O que é para nós? Não estou falando aqui de Mac Donalds ou de Pepsi, mas de direitos da pessoa, que são o padrão internacional para se viver. Não tem relação com o ocidente ou com os EUA.  Direitos humanos são para todos. Precisam ser obedecidos em respeitados em todas as partes do mundo. Isso não significa ocidentalização.

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