Texto de Paola Rhoden, publicado no site Autores.com em 05 de novembro de 2009
Em primeiro lugar, não se ensina um poeta a escrever. Ele tira da alma o que sua mão escreve. Porém, a tarefa de escrever um soneto, uma obra considerada pelos intelectuais de símbolo da poesia, não é fácil. Não é fácil porque aqueles que cultuam essa técnica, não arredam pé de que é essencial para um soneto seguir as regras. Mas, para quem gosta e quer seguir por esta árdua estrada, abaixo seguem algumas delas:
Um soneto é uma obra curta que transmite uma idéia completa.
Para se escrever um soneto perfeito, ou clássico, como é chamado pelos profissionais de literatura, deve seguir as regras mundialmente utilizadas, que são: métrica, ritmo e rima. Um soneto clássico é formado por quatorze (14) versos decassílabos, dispostos em quatro estrofes, da seguinte maneira:
a) dois quartetos ( ou quadras );
b) dois tercetos ( ou terças);
c) a métrica deve seguir as normas. Cada um dos 14 versos deve ser decassílabo na quantidade das sílabas fonéticas ou poéticas;
d) os quartetos devem ter as rimas em número de duas e amarradas. (a-c; b-d) ou (a-d; b-c);
e) nos tercetos, deve haver também amarração entre as rimas, porém com maior variação. Primeiro terceto (a-c) vinculando com o segundo terceto, também (a-c), que resultaria o verso ‘b’ do primeiro terceto rimando com o ‘b’ do segundo terceto. Mas, pode haver variações como (a-b) 1º terceto com (a-b) 2º terceto, e assim por diante.
f) o ritmo deve ser cadenciado no soar das sílabas em cada verso, a tônica cai obrigatoriamente na 6ª e na 10ª sílaba. São o que chamamos de sílabas tônicas. Exemplo: os 8816 versos de Camões em "Os Lusíadas", muito conhecidos, pois nesses decassílabos, as tônicas caem sempre na sexta e na décima sílaba. São chamados de versos heróicos.
g) os sonetos alexandrinos possuem doze sílabas fonéticas, sempre, e a tônica cai na 6ª e 12ª sílaba.
Exemplo de decassílabo:
Alma minha gentil, que te partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
(Luís de Camões)
Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,
Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.
( Luís de Camões)
"Busque amor, novas artes, novo engenho..." (Luis de Camões)
Lendo devagar, como se fosse uma só palavra, conta-se quantas pausas existem até a última sílaba tônica.
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Bus quea mor, no vas ar tes, no voen ge nho
São dez sílabas poéticas ou fonéticas. A expressão "busque amor", aos invés das quatro sílabas comuns bus-que-a-mor, no soneto ficam apenas três sílabas. A sonoridade é importante, por isso, deve-se prestar atenção no som que se ouve.
Decassílabos de Camões: quartetos (a-d) ( b-c); tercetos (a-c) (b-b)
Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
(Luís de Camões)
Decassílabo de Machado de Assis: quartetos (a-d) (b-c); tercetos (a-c)(c-c)
A CAROLINA
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
(Machado de Assis)
Soneto dodecassílabo:
Só
Este, que um deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição,
Este desabrochou como a erva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.
De motejo em motejo arrasta a alma ferida...
Sem constância no amor, dentro do coração
Sente crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.
Longos dias sem sol! noites de eterno luto!
Alma cega, perdida à toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!
E árvore, acabará sem nunca dar um fruto,
E, homem, há de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!(Olavo Bilac)
Aqui, nosso agradecimento à Paola, que gentilmente nos cedeu seu texto para publicação neste espaço.
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