Quando externamos uma opinião que nos veio à tona e não temos na ponta da língua um arsenal lógico para explicar como chegamos àquela conclusão, ficamos numa encruzilhada se atribuirmos à intuição, apenas. Não há tempo para pesquisar no arquivo morto da memória e instantaneamente produzir uma resposta capaz de satisfazer o interlocutor. Só sabemos que ela existe e está lá, enclausurada no nosso cérebro, mas não temos como traduzir e transmitir a outrem. Não convence ninguém, mas não deixa de ser uma conclusão intelectual. Admitir comunicação com os bastidores da mente presume desligamento das questões externas. O ser humano tem um piloto automático ligado o tempo inteiro. De tanto repetir certos procedimentos, nem pensamos para agir. É a face boa da intuição, protegendo-nos de situações perigosas; linha direta com o conteúdo inconsciente que vasculha o conhecimento acumulado, racional, embora não passe pela análise, indo direto à síntese. Por outro lado, quando descamba para os temores intuitivos, perdemos o controle da nossa mente racional. O que não dominamos nos dá medo. Nada nos convence. Nem estatística, tampouco dizer que quando o trovão acontece o raio já caiu ou que avião é mais seguro que carro.
A intuição sempre foi tida como característica feminina, mas nem sempre teve esse nome. Feminina, porque neste atributo de conexão com o interior a mulherada deita e rola desde que o mundo é mundo. O problema é que para ser intuitiva é preciso estar atenta ao cenário, fazer contato visual, essencialmente. Para captar emoções se leva um tempo minúsculo, mas é indispensável que a pessoa olhe para nós e possamos executar a varredura rápida do semblante e desvendar o seu interior. Quem invade não pediu permissão e está sujeito a retaliação, se o observado perceber e não gostar. Quem age por subterfúgios não aguenta o peso de um olhar e a desforra é a punição.
Séculos atrás, intuição era sinônimo de bruxaria e aí, fogueira nelas. As “bruxas” da Idade Média usavam essa conexão com o inconsciente, tornando-se compilação viva da sabedoria popular. Adquiriam-na pela observação do mundo ao redor, do comportamento das pessoas, da relação íntima com a natureza e seus fenômenos. Sem médicos por perto, quando alguém adoecia, não tinha muita alternativa: Rezava para sarar; procurava a curandeira mais próxima; esperava a cura automática ou então que a doença o consumisse. Assim, essas mulheres aliviavam as dores do corpo com as ervas do seu quintal com aconselhamento nas demais complicações da vida, num tempo em que a Igreja era a única verdade aceita. Veio a Inquisição e queimou com as “bruxas”, parte do manancial de sabedoria e intuição da mulher.
Além do olhar, nosso mecanismo intuitivo também se manifesta pela observação do próprio corpo. Transformamos em aprendizado as limitações que menstruação, gravidez e menopausa provocam em nós. É um rebuliço interior, tal, que nem nós nos reconhecemos. Como não dá para se livrar e nem para explicar, driblamos os altos e baixos, ignoramos a dificuldade e a gangorra hormonal incorporou-se ao “Kit básico Mulher”.
Mulheres podem se revelar mais hábeis para descobrir mentiras. A maioria de nós permanece conectada às famílias e às nossas origens e com isso assimilamos mais informações sobre nós mesmas. Somos peritas em leitura de ambiente e abastecemos de informação o homem naquilo que ele não percebe nas relações familiares. Ele se distancia do reino da galinha choca que põe todos debaixo das asas e se concentra em criar o seu próprio espaço.
Cientificamente, nada está provado se mulheres são mais intuitivas que os homens. O psiquiatra Carl Gustav Jung, dedicou-se ao estudo do tema e legou-nos os conceitos de intuição objetiva - ligada aos fatos e percepção das sutilezas no seu entorno, sentimentos envolvidos, pensamentos subliminares que a provocaram -; e intuição subjetiva – que ocorre nos indivíduos mais ligados à compreensão de acontecimentos psíquicos inconscientes. (Tipos Psicológicos- Jung-1921).
Hoje, intuição não é bruxaria ou coisa só de mulher, mas ferramenta de busca na caixa de ressonância que é o inconsciente. Assunto em moda, já se fala em treinar percepção dentro da visão objetiva, mais compatível com o cérebro que quer saber “como funciona”, de características masculinas. O advento da mulher no trabalho em igualdade de condições amplia o uso do arsenal intuitivo, calcado também no cérebro feminino, mais habituado à empatia e à compreensão dos sentimentos alheios. Os saberes se completam e o cuidado a se tomar é que este “boom” da intuição não explore apenas a faceta do treinamento da mente, do piloto automático.
Amiga. Prazeroso estar em seu blog, com tantas coisas para ver. Abraços.
ResponderExcluirRackel, vim te visitar com um mísero pratinho de bolo de fubá, mas ao ler sua dissecação da figura feminina, me elucidando uma montanha de coisas das quais não havia percebido, já vi que devo retornar com um bolo inteiro. Isso não é um texto; é uma tese e lucidíssima,rs. Olhando para trás, tenho dúvidas se todas as minhas escolhas e decisões provieram de conhecimentos/informações ou do acaso, como ocorre na metáfora de Forrest Gump. Aliás, não teria ninguém melhor que vc pra escrever à respeito daquele personagem. Um beijo.
ResponderExcluirluma, querida. Bolo de fubá é uma delícia, assim como o é a tua companhia prá lá de antenada, lúcida, sinceran e generosa. Obrigada por compartilhar estes escritos. Bjs.
ResponderExcluirPaola, obrigada por sua visita e colaboração. Bjs.
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