Sentir vontade de ficar sozinho não significa falta de amor pelos entes queridos, síndrome do pânico ou personalidade antissocial. Precisamos nos isolar de vez em quando para curtir a nós mesmos. Dar uma de narciso esporadicamente faz bem. Existem pequenos rituais que são prazerosos somente na solitude, na frente dos outros jamais. Mesmo a presença de alguém muito próximo, inibe. Com o companheiro e os filhos é pior. A proximidade dificulta. Quanto mais íntimos somos de alguém, mais precisamos de uma reserva que seja só nossa. É difícil suportar a invasão de privacidade, a delegação implícita a outrem para gerir nosso tempo e por tabela inibir a nossa vontade de agir por conta própria, ser dono de si e livre. Se nos calamos, consentimos, diz o bordão.
Não se trata de prescindir das pessoas, mas precisamos nos alimentar para ter o que doar. Recompondo-nos internamente tornamo-nos mais capazes de ceder, sem que nos sintamos usurpados. Sermos roubados nos frustra e deixarmo-nos governar por forças externas, mesmo que conscientemente a decisão esteja sendo tomada também por nós. Iludimo-nos. As circunstâncias nos levam a certas escolhas, sim. São aquelas que nos obrigam sem palavras, cerceiam-nos com atitudes ou sinais imperceptíveis a quem está de fora, fazendo com que a nossa reação de rebeldia pareça desproporcional ao fato que a provocou.
Na parada permitimos o compasso entre o ritmo natural do nosso organismo e aquele que o ambiente nos impõe. O estímulo externo também é útil. É necessário um filtro para interpretar o que à primeira vista parece agressão contínua, violência conosco. Sermos provocados nos faz crescer, vivenciar nossa capacidade de superar dificuldades e depois de conseguir, poder dizer: Ok. Eu venci esta. Agora vamos para a próxima. A inatividade pura e simples impede o aperfeiçoamento. Mesmo o ócio deve ser criativo, já disse alguém. É questão de usar o tempo para equilibrar ritmos interno e externo e exigir de si apenas aquilo que somos capazes de suportar no momento atual. Nem mais, nem menos.
Ficar só é uma forma de equilibrar sem pressões, de se reavaliar. Permitir-se para poder identificar sentimentos e frustrações de maneira a responder claramente o que é nosso e o que é do meio de forma consciente só cobrar dos outros a parte deles. Outra tentação é ficar com peninha de nós que nos deixamos ser coagidos. O papel de vítima é muito cômodo. Somos senhores dos nossos atos e não se pode mandar a conta para os outros. Mas também não nos cabe pagar a conta alheia.
Saber separar o meu do nosso é tarefa individual e só se consegue olhando para dentro. E este olhar rima com paz. Rima também com sossego e desapego. Tudo na vida tem cadência, movimento. As marés sobem e descem. Há primavera e verão. Há coração batendo mais rápido e mais devagar. Mas há momentos para cada um deles, como o instante de estar fisicamente só. Mas isso só é um prazer quando sabemos que aqueles pelos quais nutrimos afetos entendem o que acontece conosco. O metrômano muda o ritmo da música, nossos sentimentos ditam o pulsar do coração. Nós determinamos o compasso das nossas vidas e se conseguimos fazer os nossos queridos compreenderem a nossa opção pela solitudine, mas também entendermos a necessidade deles, todos saem ganhando com a renovação que se processa em nós.
Rackel, diva das Letras e leitora perspicaz da alma humana. Vir aqui vale mais que dez sessões num divã. Você é um raro caso de quem possui duas qualidades: o de domínio e elegância invejáveis da língua e a observação crítica e transparente do argumento, sem jamais renunciar a leveza. Em especial, este argumento, por eu ter sempre perseguido a solitude, até então compreendida por poucos ao meu redor. Seu raciocínio é brilhante! Beijos!
ResponderExcluirLuma, querida. Como sempre é um prazer tê-la aqui, com sua perspicácia e generosidade. Valeu!
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