Temos certa dificuldade em desvendar aqueles que “tem uns quantos por dentro”. Embora uma personalidade ás vezes se sobressaia ante as outras, as múltiplas facetas que este tipo de pessoa nos proporciona nos fascina e atordoa do mesmo tempo. São os indecifráveis a olhos incautos, cuja leitura limita-se ao que está sendo verbalizado e assim não se preocupa ou não, se desenvolveu pensamentos para entender as mensagens subliminares.
Adequar-se ao interlocutor é antes de tudo é uma forma de respeito. Toda profissão tem o seu vocabulário próprio. Cada ocasião também. Para o pensador polonês Zygmunt Baumann, os valores da sociedade ocidental dissolvem-se, cerceando a tolerância e o relacionamento. É o que Baumann denomina “era de liquidez”. Princípios diluídos na rapidez das mudanças. Em comum restou-nos a incapacidade de relacionarmo-nos com o outro de maneira plena, com respeito ao que cada um de nós tem de singular e subjetivo. A tendência é atribuir valor à figura do outro da maneira que ela se apresenta diante de nós e não nela mesma.
O avanço tecnológico dinamizou o tempo para que o aproveitássemos em atividades mais prazerosas. Porém, o uso adequado do nosso tempo não aconteceu. Ao invés de nos direcionarmos para atividades ampliadoras da nossa possibilidade de agir, tornando-nos mais criativos e solidários, paralelo ao desenvolvimento material nos diluímos enquanto seres humanos. Interagimos com outras pessoas somente naquilo que nos proporcionar vantagens imediatas.
“Se não posso me separar do meu tempo, que eu seja carne e unha com ele”, escreveu o argelino Albert Camus, filósofo preocupado em pensar os profundos e cotidianos problemas da existência. Para Camus, “verdade é tudo o que continua. Há uma época de viver e uma de testemunhar. É preciso escolher entre a contemplação e a ação. Chama-se a isto, tornar-se um homem. Homens que compreendem a existência humana do homem comum, que quer ser feliz e se interroga, têm como atitude essencial a lucidez. O tempo caminha com eles e eles não se separam do tempo. Levam-no para a sua vida.”
Quem se alia ao tempo na nossa era pós-moderna não limita suas experiências existenciais ao que julga conveniente, mediante critérios escusos de avaliação, onde a incapacidade de convivência com as diferenças é acobertada com preceitos politicamente corretos. Demonstramos adesão a princípios de responsabilidade social, mas por dentro mantemo-nos intolerantes, onde a perseverança nos nobres propósitos cai por terra no primeiro ato de desagravo que sofremos. Medo de exclusão, da proximidade com o outro pela visão distorcida que fazemos dele, medo de sermos deixados para trás.
Sabemos das nossas limitações, mas se somos o senhor do nosso tempo e caminhamos lado a lado com ele, sabemos que rumo seguir. Não importa a linguagem diferente em cada situação, as mensagens serão percebidas. Quem estiver sintonizado conosco saberá distinguir a farsa do politicamente correto da atitude de respeito pelo outro. Não seremos enigmas. Para entender que o nosso recado não é só feito de palavras, não é imprescindível que o outro seja intelectual, tenha instrução formal, seja do mesmo nível sócio-econômico. Quem tem princípios, enxerga a sinceridade implícita mesmo numa atitude dura. Basta a mente aberta e o espírito ainda não entorpecido pelos conceitos de sociedade líquida
Para finalizar, Citamos o Serginho Moah, que tem 46 anos e um amigo com a mesma idade do vocalista do Papas na Língua. O público do Serginho são os filhos do seu amigo, que também se identifica, adora as canções, ouvindo-as constantemente. Isto para dizer que não existe tempo de uns e outros, tempo disso ou daquilo. Existem homens e mulheres guardiões da linha do tempo e que por isso não envelhecem. Porque não há velhice, vida adulta ou infância. Não há essa dicotomia. Há vida, simplesmente.
Referências:
Tempos Líquidos - Zigmunt Baumann - Zahar Editores- 2007
Filosofia Ciência & Vida - Ano II - nr. 21 - Editora Escala
Lendo teu artigo, lembrei-me do conto O Medalhão de Machado de Assis. Não vá fundo em nada, não se comprometa, aja baseado em máximas porque o artifício causa mais espécie que a autenticidade.
ResponderExcluirPois é, Paulo. Dói, mas tua constatação é verdadeira. Artifícios são a maneira pela qual nossas máscaras são substituídas, conforme a ocasião o exigir. Obrigada pela compreensão e presença.
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