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Aquele que dorme



Quando alguém está de má vontade para fazer algo que lhe pediram é meio caminho andado para a explosão. Pedimos aos nossos adolescentes que ajudem na organização familiar, que juntem suas roupas ou que tomem banho e o fazemos delicadamente. Uma, duas, três. É meu amor pra lá, meu filhinho para cá e nada. Só que os nossos anjinhos estão com os hormônios explodindo em espinhas pela cara e loucos para cantar de galo e enfrentar alguém. Nada que nós também já não tenhamos feito em priscas eras. Agora é a vez deles. Os pais somos nós, os adolescentes são eles é a nossa vez de ter a paciência torrada. Cada um tem o seu papel nesta fase da vida. Podemos do alto da nossa suposta experiência dizer que isto é temporário, que é “aborrecência”, que nós já passamos por isso. Faz parte da afirmação deles contestar os pais e nós não podemos lhes negar este direito. Enganamo-nos quando achamos que embora a delicadeza com que os tratamos para pedir o que eles deveriam fazer por conta própria, o cidadão ronca grosso para encerrar o assunto e aí ninguém chega perto. Principalmente se nós deixamos transparecer que o tom carinhoso de solicitar veio acompanhando de um toque de voz meloso, porém forçado. Pronto, ficou na defensiva. É muito cômoda a estratégia, pois assim não faz o que lhe foi demandado e ainda coloca uma barreira que o protege e impede novos avanços, restando-lhe a alternativa de se fazer de vítima e incompreendido.
Será que explodir é a única maneira possível de se livrar de uma situação incômoda, mesmo que legítima a insatisfação? Botar um “pára-te-quieto” é sinônimo de ser agressivo e grosso. A voz demonstra a contrariedade fazendo com que a pessoa que insiste se sinta ofendida e desmontada, sem forças para ir em frente tornando difícil a retomada do diálogo.
Medimos nosso grau de amadurecimento quando já somos capazes de identificar com clareza os nossos sentimentos. “Estou chorando de raiva porque fui passada para trás, mas sei que não posso descarregar em ninguém porque a boba fui eu que me deixei enrolar e achei cômodo concordar, apostando que o outro ia ser leal comigo, quando estava escrito na cara dele que era da boca para fora”. Ponto final. Chore a vontade mas vá procurar os erros no lugar certo e não amaldiçoar quem percebeu o jogo e se conduziu pelas próprias regras.
Soltar os bichos não é privilégio das nossas crianças. Nós também, que cronologicamente somos mais adultos que eles o fazemos e lançamos mão de armas mais sofisticadas, como o sarcasmo e a ironia. A pessoa faz contrariada aquilo que se pede e depois fica arrancando casquinha de ferida, atazanando com insinuações que só fez por ter sido obrigada, eximindo-se de todas as conseqüências, fazendo papel de vítima e puxando o tapete pelas costas. É quando temos vontade de dizer que não é preciso colaborar se tivermos que pagar o preço de escutar as lamúrias.
A raiva, este dragão que dorme, fica ameaçando se soltar. Aparece sem pedir licença, faz a gente pagar os maiores micos, perder amigos, negócios e nos dá serviço em dobro para recuperar o tempo perdido. Quando a enxergamos nos nossos filhos parece que é fácil diagnosticar e que sabemos a solução para o emburramento constante. Todavia ela nos acompanha por toda a vida, hiberna mansamente até que um ruído possa despertá-la. É aí que vamos pôr a prova nossos sentimentos, descobrir se realmente estamos pensando e agindo como adultos ou se há um bicho hibernando mansamente à espera de um ruído para ser despertado.

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