Pular para o conteúdo principal

Desajeitados

Para quem é desajeitado o senso espacial e a memória visual são suficientes para andar por aí com segurança. Não se lembra de carros ou rostos que viu pouco e crê piamente que a sua parte do cérebro responsável por espaço e formas só tem só neurônio paralisado. Deve ser por isso que não achamos a menor graça naquele mico que pagamos na infância ou adolescência, quando fomos ridicularizados na frente de todo mundo e aquela amiga insiste ainda hoje em dar gargalhadas homéricas só de lembrar, cada vez que nos encontra.
Quando crescemos numa mesma cidade a adolescência desajeitada é acompanhada por todos aqueles com quem compartilhamos aquela fase. E ela passa muito lentamente, de maneira irritante para nós e percebida pelos companheiros de forma divertida, às vezes deixando um buraco na nossa auto-estima, já naturalmente combalida no período. Se não éramos bons no esporte, por exemplo, levamos a falta de jeito incapacitante vida afora, porque se existe habilidade cuja aquisição não se dá na vida adulta, com certeza a coordenação motora necessária para os esportes está entre elas; aí incluído, andar de bicicleta. Ponto para quem muda de cidade. Neste aspecto, o comportamento arredio é visto por estranhos de uma forma simpática, até, e não necessariamente zombeteiro. Quem conviveu conosco continua a nos notar da mesma forma que antes, num raciocínio cristalizado com pouquíssimas as chances de nos ver com outros “olhos”, que na verdade são aqueles com os quais gostaríamos que nos enxergassem.
Convencemo-nos de que não adianta detalhar internamente e depois externar certas recordações marcantes. Basta-nos o raciocínio formado sobre elas, o lugar que fixamos para nós nas lembranças e a responsabilidade pessoal em todo esse contexto. Assim, cristalizamos nossa opinião somente. Passamos tempo demais formando hábitos, o que torna um martírio quebrá-los de uma hora para outra. O que passa aos outros na verdade é a surpresa do inusitado, o que gera um pouco mais de simpatia nas pessoas.
Na mudança permanecemos os mesmos, mas o interior nos é mais agradável por ser a nossa essência e torna cautelosa a exposição ao novo ambiente. Passado o tempo, outras atitudes ridículas adquiridas vida afora podem muito bem ser percebidas. Para seguir adiante, com pequenas variações de uma pessoa para outra, somos bastante competentes em obstruir da memória, fatos dolorosos e desnecessários.
A competência no bloqueio de lembranças se aplica também quando apagamos alguém da memória e é preciso muito esforço para trazê-la de volta, no que nem sempre somos bem sucedidos na empreitada.
As inabilidades são mais difíceis de lidar e expõem-nos junto a terceiros com algo que não queremos lidar. No fundo, é uma recusa a crescer em todos os aspectos e uma baixa tolerância à frustração. Não é um bicho papão à espreita, são apenas nossas dificuldades nos convidando a enfrentá-las. Outras limitações podem estar mascaradas pela falta de jeito e só temos a ganhar ao nos libertarmos do tempo perdido na briga interior. Não custa começar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Jogo de Palavras

Dizer que foi o receptor da comunicação quem se equivocou é uma atitude cômoda para o emissor, porém arriscada, já que a conversa pode se encerrar por ali. Quando lançamos mão do tradicional “você é que não me entendeu”, estamos transferindo para o outro a responsabilidade pelo equívoco que nós mesmos provocamos. Na prática, a nossa atitude em si é arrogante, pois não admite a possibilidade de erro e ainda por cima se exime das conseqüências, como se fôssemos donos da verdade e só a nossa versão é que contasse. Seria muito mais humilde e receptivo trocar a mensagem por “eu não me fiz entender”. Acalma o interlocutor e de quebra nos dá fôlego para uma segunda chance. Ocorre que na maioria das vezes nos utilizamos dessa tática com a melhor das intenções e com o honesto propósito de esclarecer a idéia que queríamos transmitir. Como a resposta vem de imediato à nossa mente, estamos convictos que esta forma de se expressar é correta e tanto cremos nisso que a reação é automática e não enten

A métrica no poema e como metrificar os versos de um poema.

Texto publicado no site Autores.com.br em 25 de Novembro de 2009 Literatura - Dicas para novos autores Autor: PauloLeandroValoto "Alguns colegas me abordam querendo saber como faço para escrever e metrificar os versos de alguns de meus poemas. Diante desta solicitação de alguns colegas aqui do site, venho explicar qual a técnica em que utilizo para escrever poemas com versos metrificados. Muitos me abordam querendo saber: - Como faço? - Como é isso? - O que é métrica? - Como metrifico os versos de meus poemas? - Quero fazer um tambem. - Me explique como fazer. Vou descrever então de uma forma simples e objetiva a técnica que utilizo para escrever poemas metrificados. Primeiro vamos falar de métrica e depois vamos falar de como metrificar os versos de um poema. - A métrica no poema: Métrica é a medida do verso. Metrificação é o estudo da medida de cada verso. É a contagem das sílabas poéticas e as suas sonoridades onde as vogais, sem acentos tônicos, se unem uma com as outras fo

Lidando com opiniões não solicitadas

“Obrigado(a), mas quando eu quero ou preciso de opinião, normalmente eu peço”. Conta-se nos dedos quem tem coragem de dizer a frase acima àquele que resolveu emitir seu parecer sem ter sido consultado, com a fleuma de um súdito da rainha da Inglaterra. Convenhamos, uma resposta dessas ou similar encerra a questão e, se houver, termina também com a amizade ou qualquer relacionamento. Sentimo-nos inclinados a expressar nosso juízo sobre aquilo acontece ao redor, sobre o bate-papo que estamos participando... Até aí tudo bem. Se alguém está abrindo uma questão num grupo presume-se que saiba de antemão que está se expondo e em conseqüência, deve ter capacidade de absorver as argumentações que virão. Do contrário, é melhor nem provocar o assunto. Poucas pessoas se mostram receptivas a críticas quando em público. E se há dificuldade em administrar isso, a tendência da maioria é se esconderem sob o rótulo da timidez. Ou ainda, sob o direito que cada um tem à sua privacidade e reparti-la some