A indiazinha tikuna tinha a pele amarelada pela malária e não aparentava mais que doze anos. Mas o que lhe dava um ar mais estranho ainda, era a cabeça, coberta por uma penugem rala. Tivemos contato com ela na Casa do Índio, de Atalaia do Norte-AM, nos anos oitenta, quando trabalhávamos em Tabatinga-AM. Foi quando conhecemos o ritual de passagem da tribo, conhecido como festa da moça nova.
Os tikunas, tribo do alto Solimões, com grupos espalhados também pela Amazônia peruana e colombiana, tem entre seus hábitos, a festa da moça nova, Quando a menina tem sua primeira menstruação é dado conhecimento á tribo que entre eles há uma nova mocinha, preparando-se para ser mulher. Ela então é retirada do convívio dos demais e levada para um lugar reservado sob a guarda das mulheres mais velhas, onde ficará confinada durante aproximadamente um mês, tempo normal até que venha a próxima regra. Quando ela menstrua outra vez, há uma grande festa e é apresentada como uma nova mulher na aldeia. Durante as comemorações, seus cabelos são arrancados fio a fio pelas mulheres da tribo. Na ocasião, seu pai escolhe aquele que será seu marido. Há todo um ritual com bebidas e danças com vestimentas feitas de casca de árvore e máscaras que identificam cada família, feitas de uma madeira muito leve a tingidas com pigmentos naturais.
As comunidades católicas e algumas evangélicas realizam cerimônias de primeira eucaristia para crianças, geralmente pré-adolescentes. Participamos há tempos, de um destes rituais e presenciamos o desfecho de uma preparação que dura de dois a três anos, conforme a comunidade. Elementos como a oração, estudo dos evangelhos, temas como o sal da terra, a luz do mundo, são reforçados nas celebrações, que não deixa de ser um rito de passagem dentro da religião. A criança é apresentada à sua igreja e está verbalizando para todos que está apta a receber o Cristo em seu coração, através do rito da comunhão. Comum união. Passa a fazer parte de uma grande família que defende os mesmos princípios, valores e crenças.
Outros povos têm os seus ritos. Eles são estranhos e até cruéis a quem não conhece o contexto, como no caso da tribo tikuna. Não existem fronteiras físicas na Amazônia a não ser o Rio Solimões e marcos isolados ao longo da fronteira, que são guardados pelas nossas Forças Armadas, mas de resto, se estende pela Colômbia e pelo Peru, indiferente ao traçado dos mapas.
Não existem fronteiras para o ser humano dizendo claramente que uma fase terminou e que se iniciou outra. Mesmo que internamente saibamos quando a mudança se deu, precisamos comunicar aos nossos comuns, o que está acontecendo conosco e para isto criamos os ritos. São cerimônias que nos marcam, fortalecem-nos e nos dão identidade. Quando os perdemos é porque não precisamos mais deles ou porque os substituímos por outros que melhor nos tocaram, preencheram-nos, fazendo rever nossas crenças e buscar outros caminhos para dar sentido à vida.
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